A ação implacável das secas em Aquarela Nordestina
J. Romero Araújo Cardoso |
José
Romero Araújo Cardoso*
Na História da Música Popular Nordestina
há lugar de destaque para a abordagem brilhante que Rosil de Assis Cavalcanti
(Macaparana, 20 de dezembro de 1915 – Campina Grande, 10 de julho de 1968)
enfatizou no que se refere ao drama representado pelas secas no Nordeste
Brasileiro, através de belíssima canção regional intitulada Aquarela
Nordestina, composta em parceria com Maria das Neves Coura Cavalcanti.
Em 1958, Marinês e sua gente gravaram
Aquarela Nordestina, seguidos por outros geniais intérpretes, a exemplo de Luiz
Gonzaga, registrada em 1989, ano de sua morte em dois de agosto e
Disputado programa radiofônico transmitido
pela Rádio Borborema de Campina Grande, comandado pelo Capitão Zé Lagoa, Rosil
Cavalcanti em pessoa, contava com presença marcantes de artistas regionais,
incluindo os precursores da gravação de um dos mais cultivados hinos
nordestinos.
A estiagem que calcina a terra é
invocada para cantar a paisagem da região supliciada pela ação intransigente do
vento aliseo nordeste que, em consonância com a participação orográfica
representada pelo Planalto da Borborema, em cuja vertente sudeste nasceu Rosil
Cavalcanti, em Macaparana (PE), assinalam indelevelmente marca efetiva no
quadro natural do nordeste seco.
Aquarela Nordestina desperta ideia de
pertencimento, destacando aspectos bastante familiares ao nordestino vítima das
secas, pois ao longo dos primeiros versos descreve com invulgar perfeição a
situação de aflição que atinge inexorável da fauna dependente de água para
sobreviver.
A fauna e a flora eram indissociáveis no
cotidiano do povo dos outrora sertões esquecidos, quase apêndice da própria
existência, tendo em vista a relação direta com costumes e tradições decantadas
no legado musical deixado por Rosil Cavalcanti. Hoje a situação difere
radicalmente, tendo em vista o esvaziamento do campo e a confirmação de uma
nova realidade.
Em Aquarela Nordestina, a intensidade das
secas é registrada em razão que áreas não tão afetadas pela ação inclemente das
estiagens são registradas, como o Brejo, região que em Pernambuco assinalou o
nascimento do célebre compositor, bem como o agreste.
O destaque florístico contido na música
de que acauã no alto do pau ferro canta forte dimensiona a intensidade da
calamidade cíclica, pois o nome vulgar atribuído a essa espécie vegetal é usado
para várias árvores da Família Fabaceae, da mata atlântica latifoliada semidecídua,
sendo encontrada em áreas de transição, como a que onde Rosil Cavalcanti veio
ao mundo.
A
seca, em Aquarela Nordestina, não se restringe ao nordeste semiárido. Em
diversos momentos da História Nordestina, como nos anos de 1877 e 1879, há
registros de que a seca extrapolou seus limites geográficos e se espraiou por
espaços privilegiados, levando inconformismo e desespero, efetivando-se
flagelos às desvalidas populações interioranas da grande região Nordeste.
Patrimônio valiosíssimo da cultura de um
povo forte e altivo, Aquarela Nordestina ultrapassa gerações e não perde seu
valor em razão que eternas pérolas perpetuar-se-ão desafiando as brumas do
tempo e as imposições de modelos falsos de conduta que não respeitam a
grandiosidade de culturas forjadas na autenticidade.
*José Romero
Araújo Cardoso. Natural de Pombal (Estado da Paraíba). Nascido em 28 de
setembro de 1969. Escritor. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial
(UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA/UERN). Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço
(SBEC) e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP).
A ação implacável das secas em Aquarela Nordestina
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/03/2015 09:16:00 AM
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