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ROTEIRO DA MINHA TERRA: POMBAL, bairros, ruas e fatos

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Costumo caminhar em Pombal por simples prazer de rever ruas e logradouros que me trazem boas lembranças. Muitas coisas que presenciei e vivi na minha terra estão gravadas no meu consciente.  Fatos do passado afloram na minha memória a ponto de fazer-me reviver os bons momentos da minha juventude. Era somente alegria num mundo de fantasias onde a palavra de ordem era ser feliz. Fui feliz, pois, diverti-me a beça, amei, fui  amado, alimentei  esperanças e desenhei  projetos de vida futura.
  
Os meus primeiros passos, em busca do saber foram dados nesta terra fascinante  sobretudo abençoada por Deus. Hoje, ao caminhar pelas ruas revejo velhas edificações que mexem e remexem com o meu já sambado coração. Por exemplo, o velho Grupo Escolar João da Mata ainda hoje me fascina, não só pela sua arquitetura padrão, referencia para todos os edifícios públicos construídos naquela época, mas, porque foi neste estabelecimento de ensino que me ensinaram as primeiras letras do alfabeto, primeiro passo para minha alfabetização.
  
O velho João da Mata serviu para abrigar o saudoso Ginásio Diocesano de Pombal. Quem não se lembra do nosso grande patrono Cônego Vicente de Freitas?  Acredito que poucos sabem quem foi este ilustre cidadão. Nem mesmo o poder público municipal lhe prestou uma justa homenagem, a altura dos relevantes serviços que  este  magnífico homem de Deus  prestou à  terra  de nós todos.
 
Pois é, foi o nosso estimado, de saudosa memória, Cônego Vicente de Freitas, o fundador do Ginásio Diocesano de Pombal. Em 1958, formou a primeira turma de estudantes do primeiro grau. Está aí pra dar o seu testemunho, o meu estimado amigo, professor e educador, Arlindo Ugulino, um dos ícones do corpo docente da nossa terra. Com certeza o nobre Mestre conheceu de perto a dedicação do Padre Vicente, à causa da educação em nosso município.

Como disse inicialmente, costumo andar de forma despreocupada pelas ruas da minha terra com o olhar no presente e o pensamento no passado. Ao caminhar pela Teodósio de Oliveira Ledo ocorrem-me algumas lembranças que gostaria de não tê-las. Este senhor, reverenciado no hino oficial na terrinha como construtor do nosso município foi responsável pela matança de milhares de Índios Tapuias de forma covarde e impiedosa. O que me dói é que, apesar dos pesares o seu nome está estampado em algumas  esquinas  desta importante rua da nossa cidade.  
  
A propósito é oportuno lembrar que o município de Pombal é dotado de pessoas importantes, capazes de causar inveja aos grandes municípios do estado ou da região, prontos para serem homenageados pelos serviços prestados ou pela projeção que deu a nossa terra mundo afora. Citemos: Celso Furtado, Ruy Carneiro, Janduhy Carneiro, Avelino Elias de Queiroga, Wilson Seixas, Chiquinho Formiga, Atêncio Wanderley, Deputado Francisco Pereira, Cônego Vicente de Freitas, filho por adoção e tantos outros.
 
Com esse plantel de filhos ilustres, já é tempo de se fazer um remanejamento dos homenageados com nomes das ruas centrais da cidade, afastando para o subúrbio essa figura nefasta, incômoda, para dar lugar a quem efetivamente deu visibilidade a esta cidade, não menos ilustre, do sertão paraibano.
   
A outra lembrança é de caráter sentimental e porque não dizer, estritamente telúrica. Pois é, lembro-me que a rua, com o nome do tal cidadão matador de índios, outrora  era  a saudosa Rua da Cruz. Era  um arruamento disforme que iniciava nas proximidades da casa do meu saudoso tio Cândido Filemon, como era conhecido, e se estendia até a rua da Rodagem, hoje Domingos Medeiros. Na primeira casa morava o senhor Escolástico Clemente, a segunda era de Bocage a terceira de Chico de Sinhá Sadalina e prosseguia até as casas de Duca e de Jarda.
  
A Rua da Cruz era conhecida pelas frequentes desarmonias entre os seus moradores. Quem não se lembra da língua solta de Rosa de Ernesto? A fama da Rua da Cruz era tanta que quando alguém, não residente no ambiente, cometia qualquer descortesia era logo taxado de morado da rua da cruz. Mas, a desarmonia entre as pessoas da comunidade não era a regra geral, pois havia pessoas de fino trato a residirem no lugar, tais como Quincô, Tinane, Zé Bezerra, Biró de Lica, Jovino, o botador d água, o povo de Delmira, Júlio Gazo, o canoeiro, Bocage, Nicodemos, Vicente de Virtuosa, Benedito e tantos outros que o tempo deletou da minha memória.
 
Ao atravessar a rua da rodagem deparamos com o Cachimbo Eterno. Nesta exótica localidade, morava uma mulher que muito me chamava atenção. Tratava-se da senhora Cornélia.  Era repentista e emboladora de coco. Apenas com um ganzá à mão direita, cantava modinhas e improvisava tiradas de coco de roda, principalmente quando tomava um pouquinho de zinabre.
 
Mais adiante, a poucos passos, localiza-se a rua principal do Bairro Nova Vida, onde havia um morador especial. Era o senhor Terto Calado, cuja residência ficava nas proximidades do açude. Era pai de muitos filhos, entre os quais o temido domador de cobras, o Dantinha. Nenhum menino da minha época queria desavença com esse rapaz.

Era um jovem travesso e brigão. Tinha mania de sair mato à dentro a procura de cobras venenosas para por o braço para que elas picassem. Quando isso acontecia quem morria era a cobra. Vi  algumas exibições de Dantinha com o intuito de mostrar as pessoas que era curado do veneno de cobras, sem distinção de espécies.  Ele se dizia protegido de Deus por isso não havia porque temer mordidas de cobras ou qualquer outro animal peçonhento.   
  
Contava-se naquela época, que certa vez o seu pai o perseguiu com um cinturão para aplicar-lhe uma pisa em razão de mais uma das suas travesuras. De repente ele puxou  do bolso uma cobra venenosa e correu em perseguição ao pai que saiu em desabada em direção a casa. Assim sendo, não houve outra saída para pai perseguido, a não ser trancar-se num dos quartos da casa e pedir socorro aos outros filhos. 
  
Dantinha, às gargalhadas no terreiro da casa, zombava do pai e gritava: velho medroso... Venha ver a bichinha... É uma cascavel fêmea que não ofende a ninguém... Faz três dias que está morando no meu bolso. De repente a mãe aparece e resolve a questão. Coisas de mãe... Mesmo assim, o povo do bairro, admirava o Dantinha por usa habilidade em lidar com cobras peçonhentas. Sem dúvida era um misto de admiração e medo.
  
A Rua da Cruz foi engolida pela especulação imobiliária e seu povo, em grande parte, foi tangido para favela do Cacete Armado. Era um povo pobre, entretanto feliz. Era lá onde se fabricava panelas, tigelas, quartinhas, potes, entre outros utensílios de barro da melhor qualidade. Ademais, alguns membros da comunidade fabricavam tijolos e telhas, em olarias próximas às suas moradias. Essa atividade contribuiu para a expansão e ocupação do perímetro urbano da cidade, nos anos cinquenta.
  
Do ponto de vista cultural, foi a Rua da Cruz que sediou por muito tempo uma das principais manifestações  folclóricas da cidade: a Festa de Reisados. Os líderes dessa manifestação viveram até pouco tempo, como Bem-bem, Jubinha, Nicodemos, entre outros. O rito do reisado foi sequenciado por Chiquinho, Cícero e Dinho, sendo estes três filhos de Bem-bem. Com a morte de Chiquinho e Cicero o terceiro filho, o Dinho, deu prosseguimento a esta manifestação, porem sem o arrojo e a alegria do seu Pai, bem como os dois irmãos.
  
Retomando as minhas reflexões, é importante lembrar que o velho logradouro conhecido como Cachimbo Eterno foi também absorvido pela especulação imobiliária. Não resta nada do que foi. A moradora mais importante, como já disse, foi a senhora Cornélia que tinha o dom do repente e nos fins de semana costumava alegrar os povos da vizinhança com suas tiradas de improviso. Infelizmente, nada se conhece sobre os repentes da poetisa do subúrbio, porque os que viveram a sua época são raros e os que ainda estão vivos são poucos os que sabem sobre aquela senhora. É lamentável. O seu sobrinho Zé Corró, o lavador de carros, nada sabe sobre a tia.
  
O bairro do alto do Cruzeiro, é outro ajuntamento humano que outrora fora ocupado por pessoas pobres, porem decentes e que também sofreu por conta da invasão imobiliária. Muitas casas desapareceram e os espaços foram ocupados por moradias típicas de classe média bem sucedida, uma vez que não se faz sentido falar em classe média alta em Pombal. Ainda restam alguns casebres onde residem os remanescentes da família Daniel.

Ah, sim, a velha Rua dos Roque? Esta jamais a esquecerei. Nesta Rua residiram alguns descendentes de João Ignácio D’Arão. Os filhos e netos de tia Flor(Florinda Cardoso de Alencar, filha de João Ignácio), casada com Alexandre Liberato de Alencar(Alexandre barriga mole), com certeza foram os fundadores dessa Rua. Nela residiram os Felinto, com destaque para Felinto Velho, pai de Marcelina Junqueira, ainda os netos de tia Flor, bem como seu Roque casado com tia Joaquina, assim como os seus descendentes. Eis porque a denominação de Rua dos Roque.

A minha caminhada por essa Rua remete-me a lembranças inesquecíveis. Rigorosamente as serenatas que fazíamos havia de  passar pela Rua dos Roque. Vozes e violões rompiam o silencio da noite com valsas e canções para acordar a mulher amada. Em seguida íamos para pedra da estação a fim de dar um descanso ao violão, bem como às vozes da madrugada.

Bebíamos alguma coisa, depois seguíamos pra Rua do Rosário a fim de acordar alguém que nos esperava ansiosamente. O passo seguinte era a Rua do Sol onde cantávamos algumas musicas, às vezes a pedido, para depois tomarmos  a direção da rua Estreita, com uma breve parada numa ruela transversal, em seguida cada um buscava suas casas. Estas são as boas lembranças quando das minhas caminhadas despretensiosas pelas ruas da minha terra.

Sim, isso mesmo o bairro dos Pereiros também faz parte da minha história com ente caminhante pelas ruas da cidade.. O lugar continua intacto, não sei até quando, pois a instalação do Campus da Ufcg nas proximidades com certeza valorizou a posse do solo, o que pode atrair a especulação imobiliária.  Até então a especulação imobiliária  não havia chegado ao sul da cidade, por razões de ordem social e até mesmo moral, pois ali bem perto  localizava-se a antiga zona do baixo meretrício da cidade, que  já não existe mais. Mesmo assim, ficou aquela repugnância social que impossibilitou o crescimento da cidade, para aquela direção, a exemplo dos demais bairros.
  
A rigor, o bairro que mais me chama atenção é sem dúvida é o de Nova Vida. Mesmo perdendo parte de sua área, pelas mesmas razões dos demais, apresenta fortes sinais de vitalidade econômica e social. Parece até, que está a transmitir um recado ao poder público municipal, dizendo em  alta voz׃ o futuro econômico e urbanístico desta cidade está nesta direção, qual seja o sentido da BR- 427. Pois, um pouco mais adiante, está a esplendorosa planície, localizada entre os sítios mundo novo e capim verde, que poderá abrigar num futuro próximo novos espaços urbanos/comerciais ao lado de um distrito industrial, capaz redirecionar a economia do município a um longo e perpetuo ciclo de prosperidade econômica.
  
Sonhar não custa nada, por isso vou continuar sonhando a vida inteira. Acredito no ressurgir de uma Pombal próspera e esplendorosa, tomada pelo otimismo da prosperidade, onde  seus filhos possam ter uma oportunidade de emprego, aqui mesmo, sem precisar  sair por aí, mundo afora, em busca de algo que não perdeu.

João Pessoa, 23 de Maio de 2013


*Economista e escritor 
ROTEIRO DA MINHA TERRA: POMBAL, bairros, ruas e fatos ROTEIRO DA MINHA TERRA: POMBAL, bairros, ruas e fatos Reviewed by Clemildo Brunet on 5/23/2013 07:46:00 AM Rating: 5

Um comentário

Marcos Lacerda disse...

Fascinante ROTEIRO.

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